segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Pó de crer

Na calada da noite, se encontraram. Obra do acaso, obra do destino.
Os olhares se cruzaram em meio àquela multidão de pessoas, em meio à música alta, barulhos alheios, risadas frenéticas, cheiro de álcool e o perfume da ilusão.
Ambiente cheio. Cheio de pessoas vazias... E o olhar, a profundeza dos seus olhares.
Metros de distância, tão perto mas tão longe... Chegaram perto um do outro;
Ela vestia branco, olhos vivos, brilhantes, em choque, vibrante. Sorriso estampado, levemente tímida, com a imponência que sempre lhe foi peculiar.
Ele vestia o casaco que ela mais gostava. Postura baixa, abismado, olhos vivos, sério, vidrado. Com a insuficiência que sempre lhe foi peculiar.
A – Nem acredito, sério...
B – No quê? Tudo bem contigo? Que bom te ver.
A – Sempre, tudo ótimo...
(Suspira)
B – Eu nem sei o que falar.
(Ele sorri, fica em silêncio, olha pro chão.)
A – Não precisa falar nada. Isso fala por si só, acho.
B – Nunca fui bom nisso. Enfim, tu sabe, fiquei meio tenso agora.
(Ele puxa um cigarro, lhe oferece um cigarro, acende os dois.)
A – Não precisa, tu tá indo bem.
B – Eu nunca vou bem em nada, mas me sinto melhor agora... gostei disso... de te ver.
(O silêncio é ensurdecedor; eles param, se olham, sem saber o que dizer nem o que pensar.)
A – Lembra?
B – Do quê?
A – A primeira frase que ouvi de ti foi “Eu tenho o que tu quer!”, e hoje, não sei por que lembrei disso, parece uma parte II daquela primeira vez. Sinto assim.
B – Eu tenho o que tu quer?
A – Eu não sei, talvez nunca saiba... enfim, eu tô com um pouco de pressa, só parei pra cumprimentar um amigo, achei bom te ver. Mesmo.
(Ela vira as costas e acena de longe, dando adeus.)
B – Eu também, muito. Talvez tu tenha o que eu quero.
(Ela para e vira somente o rosto.)
A – Eu voei, como pó!
Responde simpática, sarcástica e vai.
Com muita pressa, como sempre lhe foi de costume, voou como pó, inteiramente pura, branca, fina, volátil, deixando-o com o coração acelerado, envenenado, e seus olhos, ainda mais vidrados.
Ele continuou ali, no mesmo lugar, parado, com um copo de uísque na mão. Sentia-se sozinho, confuso e bêbado, em meio à sobriedade caótica de pessoas aleatórias e inflado de memórias e pensamentos, guardados. Na calada da noite, cinzas que voaram. Um encontro relâmpago, expresso, fugaz. Brinde do acaso, que foi levado pelo vento. Um tanto de pó.
Pó de crer.
Pó de crenças, incertezas e desejos ocultos que jamais seriam desvendados pois simplesmente o vento levava, a brisa soprava, o ar sugava, o medo aspirava e a fantasia... virou pó, pó mágico.

Um comentário:

Lucas disse...

Tu é A ou B, ou AB, + ou -?